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sábado, 14 de outubro de 2017

Tetraplégico supera todas as dificuldades e volta a andar

ação que transforma no segundo de um flash, que se tivesse as consequências previstas sem dúvida seria evitada e que se fosse reversível seria menos dolorosa. Uma queda, um salto ou uma ultrapassagem mal sucedida que pode custar a vida e, quando não, modifica toda a perspectiva que existia até então. A atleta Laís Souza não poderia imaginar o que se sucederia ao aceitar o convite da Confederação Brasileira de Desportos na Neve para treinar esqui aéreo e competir pela primeira vez na Olimpíada de Inverno. No dia 27 de janeiro, após sete meses de treinamento, ela sofreu um acidente na atividade, fraturou a terceira vértebra cervical e corre o risco de nunca mais mover braços e pernas, de ficar tetraplégica.

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A ginasta brasileira Laís Souza, 25 anos, recebeu convite para treinar esqui aéreo e participar da Olimpíada de Inverno na Rússia. No entanto, após sete meses de treinamento, ela se acidentou. Laís colidiu com uma árvore e fraturou a vértebra C3

Foto: Reprodução


As lesões mais comuns no Brasil são nas vértebras C5, C6 e C7 e quanto mais “alta” for a fratura, mais grave é o prognóstico, de acordo com o ortopedista especialista em coluna do Instituto de Ortopedia do Hospital das Clínicas, Alexandre Fogaça. Quando o comprometimento acontece acima da C4, como no caso de Laís, a pessoa pode perder também o movimento do diafragma, que é o principal músculo do sistema respiratório, explicou a fisiatra Ana Luiza Baptista, da Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR).  Nesses casos, é preciso o uso de um marca-passo que vai estimular a contração do órgão e ajudar na respiração, disse Ana.

As lesões nas primeiras vértebras da coluna são gravíssimas e é comum levarem a óbito pela interrupção da respiração. Uma história que comoveu o mundo na década de 1990 foi o acidente do ator Christopher Reeve, que fraturou as C1 e C2 praticando hipismo. O Super-Homem, invencível e cheio de poderes na vida ficcional, passou os quase dez anos de vida após o ocorrido respirando por aparelhos e morreu sem realizar o sonho de voltar a andar, aos 52 anos. Com menos holofotes, a ex-ginasta Lígia Fonseca, 29 anos, também sobreviveu a uma lesão na C1. “Meu ex-técnico ficou fazendo respiração boca a boca em mim por sete minutos seguidos. Na época, nenhum médico acreditava que eu sobreviveria”, contou.


Lígia dava aulas e competia na modalidade ginástica artística. Naquela tarde de 2002 ela estava treinando para uma disputa em Brasília. “Eu estava fazendo um exercício nas paralelas assimétricas e quando fui fazer a saída, minhas mãos escorregaram e eu caí de cabeça”, relatou. Ter sobrevivido foi um milagre, mas a vida da ginasta que praticava atividades todas as tardes e noites mudou por completo: ela perdeu a voz, não move ou sente nada abaixo do pescoço, e os saltos e acrobacias agora só assiste pela TV. “Às vezes dá vontade de sair correndo (...). Deus me deu a oportunidade de ficar com as pessoas que me amam e aprender que a gente, para ser feliz, precisa de muito menos coisas, precisa de amor”, contou.

As quedas são responsáveis por 23% dos casos de tetraplegia no Brasil, de acordo com dados de atendimento da ABBR. A violência, como ferimentos por arma de fogo, lidera como causa da paralisia, chega a representar 40% dos episódios. Acidentes automobilísticos e atropelamentos são responsáveis por 28% das ocorrências, mergulho por 7% e causas tumorais, vasculares, degenerativas, infecciosas ou inflamatórias somam 2%, segundo a associação. A incidência no mundo, de acordo com o ortopedista especialista em coluna do Centro de Qualidade de Vida de São Paulo, Henrique Noronha, é de 50 casos a cada um milhão de pessoas, com predomínio em áreas urbanas. “A lesão na coluna acontece mais em homens, na proporção de quatro para um, na faixa etária entre 15 e 40 anos”, informou.

Logo após a lesão, começam os sintomas da tetraplegia, disse Fogaça. A blogueira Denise Ferreira ainda lembra dos primeiros momentos após o acidente que a fizeram se dar conta de que havia algo errado. Lojista, eram poucos momentos que ela conseguia folga, mas ganhou descanso em um final de semana e decidiu viajar com o namorado para Iguape, no sul do Estado de São Paulo. “Estávamos atrás de um ônibus que deu sinal de passagem, mas quando fomos para a outra pista estava vindo um carro, no susto ele (namorado) puxou o volante e perdeu o controle do carro. Eu fui jogada para fora, pela janela”, relatou. Consciente, ela tentou ir atrás das outras pessoas que estavam no veículo, mas seu corpo não respondia mais.Denise teve uma lesão medular nas C6 e C7. Ela passou a ser completamente dependente, a usar fraldas e não conseguir nem ficar sentada sem se desequilibrar. O casal entrou em depressão, mas com tratamentos terapêuticos e medicinais, ela recuperou os movimentos dos braços, os dois ficaram noivos, Denise começou a modelar e criou o blog de moda Vou de Saia. Fogaça explicou que existem lesões de diferentes gravidades. Quando é incompleta, como no caso de Denise, a reabilitação é mais satisfatória. “A melhora varia desde aumento de força assim como recuperação da capacidade de marcha com ou sem apoio de órteses”, disse o médico Noronha.

Ele voltou a andar
Talvez o nome de Messias Fernandes de Oliveira, 32 anos, seja apenas uma coincidência, mas como ele mesmo intitulou sua biografiaRenascendo de um Mergulho , sua história foi considerada um “milagre” para a medicina. Aos 14 anos, ele pulou de uma cachoeira e bateu a cabeça: “perdi os movimentos na hora, acordei e estava submerso”. Messias fraturou as vértebras C3, C4, C5 e C6, recebeu socorro sem imobilização do pescoço, passou por três hospitais e escutou que seu caso era “irreversível”.

Na ABBR, ele descobriu que precisava fazer uma cirurgia para realinhar a coluna. “Minha família é humilde e precisamos fazer campanha para comprar a placa e os materiais”, lembrou. Messias passou seis meses com as vértebras lesionadas e desalinhadas. Conseguiu um médico para lhe dar a chance de se reabilitar e depois da operação teve uma melhora “milagrosa”. Messias demorou anos, mas conseguiu voltar a movimentar os braços e, não obstante, a caminhar. “Todas as vezes que eu caía, levantava de cabeça erguida e continuava”, disse. O acidente o transformou em um psicólogo que ajuda pessoas com dramas semelhantes. “O valor do outro não está no corpo dele ou dela, mas no caráter e no amor”, contou sobre a lição aprendida.

Messias voltou a andar com um pouco de dificuldade, Denise conquistou os movimentos dos braços e se tornou blogueira e empresária, Lígia se formou em marketing e mexe no computador sozinha com um mouse adaptado. Os níveis de dependência variam, mas todos se redescobriram. “Eu tive depressão, tinha vergonha de sair de casa”, comentou. Mas ela entrou para uma associação de artistas que pintam com a boca e os pés. “Me senti mais livre e independente quando passei a pintar. É fazer alguma coisa sem precisar de alguém”, contou Lígia.

MARCELO DA CUNHA, 44 ANOS – DESIGNER GRÁFICO, RECUPEROU PARTE DO MOVIMENTO DOS BRAÇOS

Eu gostava de praticar esportes, participei duas vezes da São Silvestre e era desenhista gráfico. Sofri o acidente aos 21 anos em um mergulho em uma cachoeira de seis metros, no Rio de Janeiro, em 1991. Caí de cabeça no banco de areia e perdi os movimentos na hora. Fraturei a C5 e C6.

Inicialmente, coloquei tração e depois retornei ao Rio de Janeiro, onde fiquei sete meses internado na Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR). Fiz cirurgias, passei pelo período traumático e fiz fisioterapia, mas não tive tanta melhor como eu imaginava.

Logo depois da lesão perdi todos os movimentos do pescoço para baixo. Com o tratamento, ganhei movimento de braço, mas não tenho movimentos nos dedos nem na mão. Consigo comer e escovar os dentes sozinhos, mas tudo com objetos adaptados. Não consigo levantar da cama sozinho, dirigir e toda a minha vida é adaptada. Ficar tetraplégico foi bastante traumático, principalmente porque sempre tive dificuldade em depender das pessoas, não foi fácil. Tivemos que reaprender tudo.

Nos primeiros três anos veio a depressão, revolta e questionamentos. Foi a pintura que me ajudou, porque o que mais me deprimia era não ter vida produtiva e a arte permitiu isso. Graças à tecnologia, hoje eu utilizo computadores e existem cadeiras motorizadas que na época não existiam em grande oferta. Me casei aos 35 anos, é minha mulher que me ajuda em tudo e tenho uma vida sexual normal. Sou escritor e palestrante, isso tudo auxilia na minha autoestima.

Levo a vida com otimismo, muita fé e acredito que é possível ser feliz mesmo com todas as limitações. É importante aceitar as limitações e adaptações, porque não consigo mesmo fazer as mesmas coisas de antes. Leio, escrevo, saio e viajo, tenho uma vida muito produtiva e faço exposições.

“Não consigo levantar da cama sozinho, dirigir e toda minha a minha vida é adaptada. Ficar tetraplégico foi bastante traumático, principalmente porque sempre tive dificuldade em depender das pessoas”, relatou o designer gráfico Marcelo da Cunha, 44 anos. Ele bateu a cabeça em um banco de areia ao saltar em uma cachoeira, aos 21 anos, no Rio de Janeiro. “Perdi os movimentos na hora, fraturei as C5 e C6”, lembrou. Com tratamento, Marcelo ganhou movimento nos braços, mas não nos dedos. Por isso, consegue comer e escovar os dentes sozinho com objetos adaptados; foi a pintura que o tirou da depressão e revolta por sua nova condição.

“O que mais me deprimia era não ter vida produtiva e a arte me permitiu isso”, disse. O designer entrou como bolsista para a Associação dos Pintores com a Boca e os Pés 10 anos após o acidente e hoje é membro da instituição, que conta atualmente com 49 artistas no Brasil e mais de 815 no mundo. Quem ingressa da APBP recebe uma bolsa mensal para produzir, segundo Marcelo, e participa de exposições nacionais e internacionais. Além disso, o designer escreveu dois livros, Renascido da Dor e Aceitar é Preciso , dá palestras e participou do documentárioDetalhes , de Gabriel Borba.


O português Eduardo Jorge perdeu o controle do veículo, capotou várias vezes e foi arremessado a vários metros de distância. Em 1991, o uso do cinto não era tão difundido e ele estava sem a proteção. Eduardo fraturou as C5, C6 e C7 e recebeu o diagnóstico de “tetraplegia traumática completa”. Ele ficou internado quase um ano, período que passou dia após dia sendo medicado com morfina para suportar as dores da implantação das placas e parafusos usadas na reconstrução das vértebras. Eduardo conseguiu reaver parte do movimento dos braços, mas sua vida nunca mais foi a mesma.

“Não mudei minha visão sobre o mundo e nem me tornei mais ou menos justo e solidário, mas a experiência adquirida me permite compartilhá-la com outras pessoas na minha situação, e dentro do possível ser útil”, disse. Como deficiente físico, Eduardo decidiu atuar por melhores condições para ele e outros tetraplégicos. Passou a estudar a legislação para deficientes, se tornou ativista da causa, e criou os sites Tetraplégicos e Nós Tetraplégicos para compartilhar informações e direitos garantidos por lei. “Se antes eu precisava lutar muito para alcançar os meus objetivos e sonhos, agora preciso lutar muito mais e me superar a cada dia”, contou.


Tratamento não garante melhora
“É importante salientar que o tratamento parte da prevenção: uso do cinto de segurança, cuidados com velocidade, prevenção de quedas e uso de equipamentos de proteção”, reforçou Noronha. A primeira ação após a lesão, descreveu o fisiatra e gerente de reabilitação da AACD Marcelo Ares, é o procedimento de primeiros-socorros para garantia da vida da vítima; em seguida, é a estabilização da coluna. Depois atua a equipe multidisciplinar para inclusão social e adaptação na execução de atividades básicas. “Não se pode ter a ideia de que a terapia recupere, depende de cada paciente. Por isso, o tratamento emocional é de total importância”, disse.

Mara Gabrilli, 45 anos, lesionou as vértebras C3 e C4, ficou internada em um dos hospitais mais tradicionais de São Paulo, o Albert Einstein, fez tratamento em um centro de reabilitação em Boston, nos EUA, e em uma clínica especializada em Pittsburgh, mas não conseguiu recuperar qualquer movimento abaixo do pescoço. Ela estava na estrada com o então namorado. Ele perdeu o controle do veículo, que capotou em um barranco de 20 metros. “Eu fiquei presa nas ferragens, com a cabeça para fora do carro. Sentia uma dor insuportável no pescoço. Enquanto esperava socorro, eu ainda podia mover os braços. Quando acordei, eu já não tinha nenhum tipo de movimento do pescoço para baixo”, relatou.

Mas isso não a impediu de seguir a vida, Mara era formada em psicologia e publicidade na época e, depois do acidente, se tornou deputada federal. “Acho que uma das minhas grandes virtudes foi nunca olhar para trás. Não deixei de viver após o acidente. Fundei uma ONG, continuei a trabalhar, malho todos os dias, vou a festas, gosto de namorar, consegui me eleger vereadora e deputada federal”, contou. Ela usa uma cadeira que a deixa em pé quando quiser e, como não mexe as mãos, utiliza um sistema de voto por leitura facial na Câmara dos Deputados.

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